Cartas


22/11/2012

Carta aberta à E.

Desculpa E., mas não vou aceitar o teu pedido de desculpas. Não posso aceitar. Não pelos mil euros que me fizeste gastar, não pelo desespero que me fizeste passar, não pela semana que fiquei doente por tua causa, mas porque tu assim o escolheste. Tu escolheste ser aquela a quem não se perdoa, a quem não se deseja nada de bom, de quem não se gosta e da qual nos afastamos. Tu escolheste ser a escumalha da sociedade quando abriste a porta mais fácil. Quando decidiste ser assim, má.
Disse-me a tua advogada, que não abriu a boca para te defender, que tens um currículo social vasto e difícil. Que tens história de abandonos, que não sabes gerir os teus impulsos e a tua raiva. Pois é, não conheço ninguém que possa dizer que tem uma vida fácil. Todos nós temos alguma coisa que nos torna o caminho mais difícil, a jornada mais penosa. Todos sentimos a tentação de ir pelo caminho que nos parece mais agradável. A diferença entre pessoas como tu e como eu é a escolha.
Sabes E., a minha vida não tem sido fácil também. Pensarás tu que eu sou privilegiada, nascida em berço de ouro, educada nas melhores escolas e nascida no melhor dos bairros. Não minha querida. A minha vida não tem sido fácil. Verdade que não fui abandonada ou mal tratada, mas nasci com todas as condições para nem o nono ano ter terminado. À minha volta colegas de escola ficaram grávidas ainda adolescentes, sucumbiram à droga, desistiram da escola, envolveram-se em coisas ilegais. Mas eu fiz a minha escolha. Eu pedi mais à vida do que ela me queria dar e nunca, nem por um segundo, deixei de a cobrar, de ir atrás, de querer mais.  Tenho seguido sempre pelo caminho mais duro, e tem-me custado muito, mas sabes olhando hoje para ti percebi que vale tanto a pena. Tanto. Hoje quando te vi entrar, algemada, acabada, com 21 anos no BI mas 40 no rosto, percebi que o caminho mais fácil que escolheste é afinal publicidade enganosa.
Espanta-me que tu não o tenhas visto. Espanta-me que tu não percebas a tragédia que é teres 21 anos e viveres privada de tudo, enfiada em quatro paredes, com uma vida manchada e, provavelmente agora, irrecuperável. Sem nada do que te orgulhares, sem nada por que lutares, sem um futuro para sonhares, quiça se chegarás à minha idade. E o mais triste, é que nem pena de ti tenho. Temos. A juíza, as advogadas e demais presentes, olhavam para ti com um misto de repulsa e desprezo.
E é por isso E. que não aceito o teu pedido de desculpas. Não te perdoo a escolha que fizeste para ti, porque podemos não ter mais nada, nada, nem o que comer, nem um tecto (o que tu sempre tiveste) mas temos sempre o livre arbítrio. Podemos ser escolher ser melhores. E tu escolheste ser merda.

PS: A E. assaltou-me no dia 2 de Janeiro de 2008. Foi finalmente julgada hoje. Será condenada com pena suspensa - devido à vida "terrível" (!!) que tem tido - e deverá emitir um pedido de desculpas à minha pessoa.

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