Cartas


14/10/2011

You suffer good!

O maior elogio que me fizeram até hoje veio de um alemão e foi há pouco tempo. Disse-me que no que toca a arrumação e limpeza, organização e sentido de justiça sou definitivamente alemã e não portuguesa. Lembrei-me disto hoje depois de ler as notícias nos jornais, as indignações no Facebook e o discurso do Passos Coelho na televisão (sim também chega aqui na SBS).
Alguém está surpreendido com as medidas? Alguém realmente acha que pode ser de outra maneira? O que é que cada um de vós faria se tivesse poder para mudar?
Vamos lá a ver… comecemos pelo corte do subsídio de férias e de Natal. Ora então haja alguém que me explique porque é que trabalhamos 11 meses no ano mas somos pagos 14? Cada vez que aqui digo que em Portugal recebemos 14 salários fica tudo de boca aberta. Não vos parece uma grande sorte, sermos pagos pelo mês que não estamos na empresa? Mas porque é que o patrão tem de nos dar dinheiro extra para irmos passar férias ou para comprarmos presentes de Natal? Esta do Natal então é que não percebo mesmo… sendo o Natal uma festa religiosa, não percebo porque é que um Estado que se diz laico prevê na lei subsídios de Natal.
Depois os impostos…  alguém realmente pensa que é possível um Estado sobreviver sem impostos? A senhora Ayn Rand dizia que os governos não deveriam impor o pagamento de impostos. Na sua opinião porque os impostos servem para que o Estado forneça aos seus cidadãos os que eles precisam para atingir os seus objectivos – como por exemplo segurança e infra-estruturas – deveriam ser voluntários. Ela achava que os cidadãos estariam dispostos a pagar como se de um seguro se tratasse. De certo que ela nunca conheceu os portugueses… Porque os portugueses acham que ganhar um dinheirinho por fora, ou alugar uma casa sem recibo, ou dividir o salário em metade no papel e metade por fora não faz mal. Mau é ter de pagar a estes chupistas do governo pelo dinheiro que tanto me custou a ganhar. Ainda não perceberam que ao não pagarem impostos sobre os rendimentos são os primeiros responsáveis pelo aumento dos mesmos; ainda não perceberam que estão a roubar às reformas dos pais, aos subsídios dos filhos e, em última análise, a eles próprios.
É esta a mentalidadezinha portuguesa. O que importa é falar mal e safarmo-nos como podemos. Culpar o governo, mas quantos dos que se queixam tiraram o cu de casa para ir votar?
Então como forma de protesto contra um governo que não se elegeu, vai-se para a rua. Nada como uma boa manif para rever uns amigos, fazer barulho, agir como chimpanzés, fumar umas brocas e, com sorte, aparecer na televisão para nos verem lá em casa. No meio disso ameaça-se não votar, como se isso prejudicasse alguém a não ser nós próprios.  
De resto continua tudo igual. Não interessa se com 30 anos, ou mais, ainda dependemos da ajuda dos pais, desde que estejamos a fazer um trabalho que soa bem aos de fora e que tenhamos uns trocos para ir ao Bairro ao fim de semana e para o maço de tabaco; não interessa que estejamos presos nos 700 euros mensais há anos, desde que o nome da profissão impressione os outros que não sabem quanto ganhamos; não interessa se fizemos o curso à custa de cábulas e não tenhamos aprendido nada, desde que tenhamos o canudo na mão; não interessa não termos dinheiro para comprar o que for, desde que seja possível arranjar umas prestações para ter um LCD ou um carro que faça a inveja dos vizinhos; não interessa ser bom profissional, interessa quem conhecemos ou com quem andamos a dormir; não interessa o trabalho, interessa é fazer pouco e ter carro e telemóvel da empresa. Estou tão farta e tão enojada com a arte do desenrasca a que todos acham tanta piada. Farta da corrupção, da mania das grandezas, do Chico-espertismo, do umbiguismo português.  
Pois agora aí estão mais medidas de austeridade. Vão todos para a rua, gritem e protestem. Não deixem de olhar só para o próprio umbigo e vão ver se isso resolve alguma coisa...

6 comentários:

Isa disse...

se votar resolvesse tu nao terias escrito este post...

Rabbit disse...

É verdade Isa. Votar não resolve tudo, provavelmente não resolveria mesmo que não tivessemos a gigante abstenção que temos. Mas quanto a mim, é mais produtivo votar do que ir para a rua gritar. Sobretudo porque aposto que 50% ou mais das pessoas que se vão manifestar nem sabem muito bem o que ali estão a fazer.

Rabbit disse...

Ah e claro, é importante votar, mas também era bom ter boas opções, o que nos últimos anos não se tem verificado.

Purple Aussie disse...

Eu não encaro os subsídios como “dinheiro extra ou bonus” mas antes uma tentativa de colmatar os baixos rendimentos dos portugueses… pondo termos aos mesmos consegues imaginar as dificuldades de cada um terá de enfrentar daqui para a frente? Senão vejamos: eu trabalhava em Portugal numa média de 9/10h por dia recebia 14 salários por ano. Aqui trabalho obrigatoriamente 7.5h/dia e só recebo 12 salários, acreditas que fico com saldo mega positivo? E acredita que era tão capaz e trabalhadora em Portugal como sou aqui. A diferença é que agora vivo num país em que (apesar da corrupção também estar presente) tem perspectivas de crescimento e permite ao jovens acreditar num futuro digno e promissor… Sei que a culpa não é apenas dos políticos mas olha que levam uma grande fatia. Também sei que há muitos jovens desinteressados e “Chico-espertos” mas também aprendi (e mudei muito de opinião desde que emigrei) que somos um país cheio de gente capaz e muito competente… Por isso me entristece ver o estado a que chegámos e perceber que a luzinha ao fundo do túnel tardará em aparecer…
Os culpados somos todos nós, pela cultura/princípios que nos são incutidos desde que nascemos e mais culpados somos por não tentar contrariar a tendência e acabar por seguir sempre o caminho mais fácil… ainda assim: não temos quem nos governe! Há décadas que somos desgovernados por políticos corruptos, sem princípios nem dignidade! Não há país que sobreviva desta forma…
Beijinhos :)
Ah, só espero que não haja por aí nenhuma recessão nos próximos anos… é que não dava mesmo jeitinho nenhum ;)

Rabbit disse...

Sim claro que os portugueses ganham mal, e se os subsídios fossem distribuídos pelos 12 meses não iam ficar a ganhar melhor. Claro que me sabia bem o dinheirinho extra... mas na essência sou contra. Sou a favor de prémios de produtividade, acho que se devem premiar os bons, mas não por cumprirem os objectivos do trabalho. Devem ser compensados aqueles que vão além! Quando trabalhava na TVI, a empresa dava pela altura do Natal um cartão do continente no valor de X que podia ser usado em todas as lojas do grupo Sonae. E eu achava o máximo! Havia pessoas, a maioria, que achavam que aquilo era a maior das demonstrações de força da empresa! Então a empresa obriga-me a fazer compras na Sonae? e se eu preferir a Jerõnimo Martins!? E cochichavam nos corredores, indignavam-se na redacção, falavam mal e escreviam emails de protesto. Pobres... não percebiam que a empresa dava os cartões como gesto de boa vontade e que não tinha a menor obrigação legal de o fazer. Nem sequer moral! Mas já que conseguia o acordo comercial... porque não? e depois estava o espectador em casa a levar com horas de leopoldina.

Um pai que não sabe o que faz disse...

Sim, é verdade, as coisas estão mal. Sim, é verdade, poucas medidas de austeridade poderiam ser diferentes destas. No entanto, o grande problema está na mentalidade, esse é o nosso Calcanhar de Aquiles. É um círculo vicioso e que não tem fim à vista. Não existe uma alternativa credível em termos de política, porque aqueles que poderiam ser boas opções nunca chegam ao patamar de poderem ser, sequer, opções. Isto porque a política está uma merda tão grande que quem é decente recusa de imediato misturar-se com aquela gentinha que percorre os corredores do poder, seja nacionais ou municipais (e aqui a devida vénia às excepções, que as há, com toda a certeza, mas são infelizmente excepções).

Como os políticos pouco fazem pelos que os elegem, a medida mais fácil é evitar dar-lhes dinheiro. Por isso, foge-se aos impostos, não percebendo que não serve de nada fugir, já que mais cedo ou mais tarde eles terão que os cobrar na mesma. No entanto, quem pode foge, e quem não pode-se lixa-se à grande, porque come com uma carga fiscal exagerada para os vencimentos que auferimos.

Chateiam-me as pessoas que fogem aos impostos, mas chateiam-me mais os que nada fazem para melhorar o estado actual. Não te enganes, quem pode mudar isto não é o povo, são os políticos. O povo, mesmo que vote, não tem alternativa credível para poder votar, por isso de que adianta votar? E posso falar disto tranquilamente, porque eu voto sempre, e considero que esse é um dever que tenho, e desprezo as pessoas que não votam, e que depois andam a cagar postas de pescada nessas pseudo-manifs que pouco mais servem do que para aquilo que descreveste: fumar umas ganzas, ver os amigos e emborcar umas bejecas. Bom, pelo menos apoiam o comércio local, já que a baixa ao fim-de-semana está sempre vazia e assim sempre ganham uns trocos...

Não vejo grande luz ao fundo do túnel, de facto. Não é por isso que deixarei de fazer a minha parte para a tentar acender, mas que a coisa está preta, isso está...