Cartas


08/09/2011

Da Austrália, parte II

Bom, depois do post anterior choveram alguns mails - foram só uns aguaceiros vá, mas pronto - e achei que devia fazer uma continuação da saga.
É que algumas pessoas me têm dito ah e tal de certeza que isso não é perfeito. Pensam que eu estou toldada com o sucesso que me tem rodeado nos últimos meses e que não tenho uma visão imparcial da coisa.
Contudo, como viram no post anterior, trata-se de números! Ratios simples que qualquer um pode fazer. Agora claro... como diz a minha santa mãezinha ele há coisas que vai da pessoa. E o que eu quero dizer com isto é que não adianta mudar de país, mudar para o lado oposto do mundo, sem estar de mente aberta, sem estar disposto a fazer concessões e a aceitar que aqui não é Portugal (graças ao Senhor!), não é Europa e muito menos é um país cheio de história.
A minha ex-flatmate norueguesa tinha uma dificuldade imensa em aceitar coisas que são tipicamente australianas e sofria imenso com isso. Chateava-se porque as casas aqui têm alcatifas, coisas que nós deixámos de usar nos anos 80. Sim, é estranho porque raio um país destes, com um clima destes tem casas com alcatifas. Mas que dizer? É mesmo assim. Porque é que Portugal é um país cheio de corruptos? Epá... é como as alcatifas cá. Faz parte.
Outra coisa que aqui faz parte é a bicheza. E não digo isto com nenhum segundo sentido, falo mesmo de animalagem. Eu que não sou nada dada a natureza e a animaizinhos convivo diariamente com um perú que passeia alegremente pelo bairro (estou para ver o dia que o cabrão do pássaro me ataca). E aranhas, e lagartos, e baratas, e formigas... Meus amigos, isto é um país por desbravar, com espaços verdes a perder de vista, onde as actividades primárias ainda têm um grande peso e onde o clima é tropical. Quem não quer conviver com bichos...não vale a pena vir e reclamar diariamente. Faz parte!
Uma coisinha que a mim me irrita particularmente é o carregamento do telemóvel. Em Portugal chega-se ao net banco e já está. Aqui... bom vai-se a uma loja de conveniência ou ao supermercado e pede-se para carregar o telemóvel da operadora X com o montante Y, recebemos um talão, ligamos para a operadora, inserimos o código do talão e depois recebemos uma mensagem com a confirmação do carregamento. Quem como eu vive longe de tudo e mais alguma coisa, ficar sem saldo no telemóvel é, como podem calcular, um pequeno pesadelo. Descobri recentemente que posso ligar à operadora, fornecer os dados do meu cartão de crédito e fazer um carregamento. Isto tornou o processo mais fácil. Mas mesmo assim é uma seca. Contudo... que hei-de eu fazer? Aqui funciona assim, faz parte...
A A. também se costumava chatear com as confianças do pessoal das lojas e afins. Já sabem personalidade nórdica não gosta cá de grandes conversas. É muito normal uma pessoa que não vos conhece de lado nenhum tratar-vos por "mate", perguntar como está a ser o vosso dia e fazer perguntas. Não é cusquice, não é espertalhice, é mesmo assim. Ainda não fui a uma única loja (e olhem que eu frequento muitas...), café ou supermercado onde o empregado/a não me tratasse desta forma. E eu, no café onde trabalho, faço o mesmo. E os clientes conversam comigo e tratam-me pelo nome próprio, mesmo que seja a primeira vez que me estão a ver. Se isto vos incomoda...  pensem duas vezes antes de vir. É que as regras aqui estão feitas, cabe-nos a nós adaptar!
E falando em regras... o que eu mais amo neste país são as regras. Eu sou muito pouco portuguesa neste aspecto... gosto de tudo no lugar certo, à hora certa e da forma mais justa e equilibrada. E este país, nisto é cinco estrelas. Deixem-me só referir dois curtos episódios.
A minha flatmate tinha uma chefe que era mal educada e abusadora com todos os subordinados. Um dia resolveu apresentar uma queixa contra ela. Houve um despedimento. Sabem quem foi? A chefe. Como seria em Portugal? Bom eu devo dizer que já fui chefiada por um personagem desse género e quando apresentei queixa quem sofreu as consequências fui eu. Mas, ah e tal, dizem vocês, isso é uma coisa muito específica.
Ok, vamos falar de um caso recente que aconteceu aqui em New South Wales. Um polícia mandou parar um carro numa operação stop. Sai de lá uma mulher de burka. O polícia verifica que o veículo não tinha as P plates, pediu o documentos à senhora e que tirasse a burka para que a pudesse identificar na carta de condução. A mulher refilou um bocadinho, mas acabou por tirar. Foi multada. Nessa mesma tarde foi à esquadra e apresentou queixa do polícia dizendo que este lhe tinha dito que ela ou tirava a burka ou ele próprio a arrancaria à bofetada.
O caso foi para tribunal. O polícia chega ao tribunal e espeta-lhe com o vídeo da operação stop na tromba (devidamente protegida pela burka). Ah pois é... é que os carros da polícia têm um sistema de vídeo que grava as operações stop. O sr. Polícia não só foi absolvido como a sra em questão foi obrigada ao pagamento de uma multa e a um pedido de desculpas público ao polícia e a toda a esquadra.
Como vêem... aqui não há confusões. Os espertalhaços dos emigrantes - alguns - é que vêm para cá a pensar que são os maiores e que podem brincar...mas aqui não se brinca em serviço.
E é por isso - e eu já aqui o disse -  que este país FUNCIONA. Aqui tudo flui, tudo tem um lugar, tudo está organizado. Noutro dia o Luís, outro português que cá está, dizia-me: "Epá eu de manhã antes das 7h entro no autocarro e o motorista quase me dá um abraço!". E é mesmo verdade, porque aqui as pessoas são felizes e isso vê-se na rua, nas mamãs com 3 e 4 filhos atrás a fazer piqueniques em dias de semana com outras mamãs, nos centros comerciais em todo o lado. E como diz a minha flatmate, no seu very british accent, "Sometimes we think that walking barefoot in the street it's rude... but it's not... it's just Australia".

7 comentários:

Anónimo disse...

mais uma vez... sem palavras. alias, só três palavras (ah ah ah) a-do-rei!

Isa disse...

perfeito? perfeição? só no Paraíso, pra quem acredita nele... aiai...
Forçaê, miúda.

Anónimo disse...

Só por tudo o que dizes já estou a adorar a Austrália, penso precisamente da mesma maneira

Isa disse...

Adorei, Rabbit, adorei.

TC disse...

Tenho ouvido dizer que a Suécia tb é um país que FUNCIONA...mas lá faz mais fresquinho :)

Ela disse...

Pois é, há muita coisa que primeiro estranha-se e depois entranha-se.
A mim o que chateia é querer ir almoçar fora ao fim de semana e as opções serem sempre hamburguer, pizza ou fish&chips, para comer a despachar. Sinto falta de comer fora boa comida, de faca e garfo, sem gastar muito.


PS-Eu consigo carregar o telemóvel na net, através do site da operadora (optus)

Rabbit disse...

Dá um pulo a Petersham ou Marrickville, tem boa comida lá. Já experimentei o Madeirense que recomendo e o Silva's tb diz que é bom mas nunca fui. Com uns 25 dólares por pessoa já te safas.
O meu número é Lebara e para carregar na net tenho de registar o cartão de crédito... coisa que não me apetecia muito.