Cartas


11/05/2012

292

Ultimamente tenho-me atrasado e já não apanho o 293 para a cidade. Chegar atrasada é coisa que pela primeira vez não me incomoda. Estou num ponto de tamanha desmotivação que nem me incomodo com o relógio. E se eu sou pessoa de me incomodar com horários! Sempre achei a falta de pontualidade um equivalente de outra falta, a de respeito. Talvez por isso mesmo esteja tranquila com os atrasos dos ultimos dias do estágio: não respeito ninguém naquela empresa.
O público do 292 das 8h30 é diferente. Menos gente, mais reformados e estudantes, menos pessoal de escritório a querer chegar à cidade.
Reparei na minha colega F. a entrar no autocarro. Apesar de estarmos juntas num trabalho de grupo não me apetece falar com ela. Finjo que não a vejo e fico aliviada quando percebo que ela saiu na universidade! Ufa! Não é que não goste da moça, mas incomoda-me os comentários que ela faz sempre que me vê. Que gosta do meu casaco, que o meu anel é giro, que os meus brincos são originais, que a minha mala é espectacular, que adora a forma europeia como me visto...enfim, tudo elogios que eu agradeço mas aos quais não sei como reagir quando são repetidos inúmeras vezes.
E nisto reparo na Rapunzel a sair do autocarro...uma ruiva com o cabelo até aos joelhos. Acho que não há ninguém que aprecie um bom cabelo tanto como eu, talvez por não o ter, mas parece-me que quando passa do meio das costas, já estão um bocadinho compridos demais... Suspeito que gaste um frasco de shampoo por lavagem.
Este autocarro é uma seca. Pára em todas as capelinhas e está gelado. Este pessoal tem um problema com temperaturas. Ou está um gelo ou um inferno. Não sabem o que é o meio termo.
E não sei porquê, falar em meio termo, lembrou-me que já hoje é 5ªf, a Sue faz anos no Sábado e eu não tenho presente. Não sei o que lhe compre.
Reparo no anúncio colado num outro autocarro. Anuncia coragem, confiança e compaixão para raparigas que frequentem o Brigidine College em St Ives. Só raparigas.
Acho que nunca seria capaz de pôr uma filha minha numa escola só de raparigas. E o mesmo para um rapaz. Não é assim a vida real. No mundo temos de lidar com todos os niveis de educação e culturas. Não que eles tivessem grandes hipóteses, mas se há coisa que agradeço aos meus pais é terem-me deixado frequentar a escola pública. Nas privadas não se sabe da história do colega que não tem que comer em casa, nem daquela miúda só com 13 anos que ficou grávida, nem do outro colega cujo irmão está agarrado à coca. Já estou há mais de 20 minutos no autocarro e ainda não saí de Marsfield... Isto hoje está para durar. Eu para já aproveito para descansar os olhos.

2 comentários:

Nelson Mendes disse...

Carissima Compatriata, não se esmoreça. Everything is going to be allright:) Quanto à desmotivação e às tribos dos autocarros muito se podia dizer. Secas são secas e custam a passar.
Muita força

Li disse...

olé querida amiga,

então que se passa por aí?!?!
que desmotivação é essa?
Coragem, tu és uma força da natureza, alguém que atravessou o mundo com um grande objectivo, e que vai concluir com o maior sucesso.
Torço por ti.
Tenho andado bastante ocupada e cansada, por isso visito-te menos vezes, mas estás sempre no meu coração.
Beijinho cheio de saudade.

Fica bem