Cartas


23/04/2011

Good Friday

O dia acordou solarengo. Eu acordei bem disposta. Afinal depois de dias e dias e mais dias sempre a estudar ou a trabalhar, tinha uma festa. Para sentir um bocadinho da Páscoa aqui tão longe. Saí cedo. Segui à risca as instruções que o André me deu, excepto a parte do comboio, que isto de ir até à estação do comboio ainda são 40 minutos a andar. Duas horas e dois autocarros depois, lá estava eu em Dulwich Hill (tentem pronunciar isto em voz alta...). Á chegada a recepção foi em português. O Sr. Simão, alentejano, mas antes demais benfiquista, a sua esposa, a D. Adélia - como a minha avó - mais o Nuno, filho destes imigrantes mas mais australiano que muitos (à excepção do ser benfiquista, mas mesmo à séria....com direito a tatuagem e tudo), o Pedro que chegou há apenas dois meses, o Vítor e, claro, o André. Bebiam-se cervejas, falava-se da derrota do Benfica, mas pouco porque o Nuno quase chorou, da situação do nosso Portugal, trocavam-se impressões, faziam-se perguntas. O Sr. Simão e a D. Adélia viviam na Moita. Estão cá há 22 anos. Pelo meio criaram três filhos e já têm um neto, que ou muito me engano ou nunca vai saber falar português.
Mais amigos a chegar, desta feita de Sacavém, mais um italiano, mais tarde mais outro e um belga também. A festa dos abandonados da Páscoa. Comida e bebida, ambos com fartura. O bacalhau assado, o camarão e a ameijoa. Uma garrafa de Mateus Rosé que encontrei no supermercado aqui ao pé de casa. É Sexta-feira Santa, não se pode comer carne. Então come-se marisco. Eh eh eh eh Ainda tentei explicar o significado da coisa, mas sem grande sucesso.
É giro que até ontem nunca tinha percebido muito bem estes convívios dos emigrantes, que eu sei que a minha família em França também faz. Mas ontem foi tão claro. O Nuno diz que nunca vai sair da Austrália. Fair enough, penso eu. Afinal quem foi cá criado porque quereria ir para um país em desgraça? Mas ele insiste que Portugal é um shit country, e o pai e a mãe e os portugueses que acabaram de cá chegar não gostam. Mas reconhecem, que estão cá porque não se consegue viver lá. O problema, digo eu, é que estás a comparar alhos com bugalhos. Portugal é um pobre e velho país da pobre e velha Europa; a Austrália é um país jovem e cheio de pujança. Tudo aqui está por fazer, o trabalho chega para todos e o dinheiro abunda. Mas não como diz o sr. Simão, já não está como estava antigamente. Para o Nuno a única falha da Austrália é que não tem bolicaos, nem pacotinhos de leite com chocolate Ucal nem iogurtes líquidos. Não sei se é o único problema, mas nos iogurtes líquidos estou com ele.
Entre umas palavras de inglês, outras de italiano e muitas de português, lá se come e se bebe. Os ânimos acendem-se, as discussões surgem. Afinal o que é um tsunami? Is it the wave that comes to the land or just the pressure of the water? Fala-se alto. Somos portugueses. Não se chega a acordo. A não ser, diz o Nuno, que se houver um Tsunami nunca chegará a Dulwich Hill. Eu, que lancei a acha na fogueira, rio. Não quero participar em discussões de assuntos que não domino. O Federico, ri comigo "what is this shit? Italian imigrants are the same!"
E assim se passa a tarde, entre uma garrafa de branco ou uma cerveja. Acaba-se o vinho, acaba-se a fé. Está na hora do chouriço, e depois de um dia inteiro a comer peixe - havia até sardinhas assadas - está na hora do chouriço e da farinheira. Ora bolas, alguns nem são católicos! Vá de os pôs no barbecue. É tempo de vinho tinto, Monte Velho ou aquele vinho italiano que o Federico trouxe. Provo. É bom. Mas depois de uma cerveja, dois dedos de branco e mais dois de rosé, acho que cheguei ao limite. Ok, já sei que sou fraquinha... mas é assim mesmo. Não podemos renegar o que somos, o que podemos e o que queremos. E muito se renegou ontem Portugal, mesmo quem tem tatuagens do Benfica nos braços. Mas também muito se apoiou. E muito se lamentou o que somos e o que já fomos. E muita saudade se sentiu, entre uma cerveja e a outra. Entre um copo de tinto e um pedaço de broa. Entre fado, DaWeasel e Carlos Paredes. Somos portugueses, e somos iguais em qualquer parte do mundo. Bebemos muito, discutimos muito, falamos alto, comemos bem. Mas em Dulwich Hill, ou em Lisboa somos boas pessoas. E eu senti isso. Não podia ter sido melhor recebida. Sinta-se em família, que aqui sem o sermos, é o que nós somos todos, diz o sr. Simão. E eu sinto. Não é difícil. Está ali um pequeno pedaço de Portugal. E de manhã na Pastelaria não peço um Latte, mas um galão; nem um donut ou banana bread, mas um pão de leite. E é bom, e foi bom. E apercebo-me que além das sobremesas, também gosto, muito, de pessoas doces.

3 comentários:

Sérgio Vilar disse...

É muito bom saber que estás a passar bem acompanhada esta época especial.
Espero que passes igualmente bem o domingo de Páscoa.
Por aqui, os dias estão cinzentos e molhados.
PÁSCOA FELIZ ;)

Li disse...

Fico muito feliz por saber que encontraste boa gente, portuguesa e não só, e que passaste um dia diferente e divertido.

Tu mereces!!!!

Beijinhos

Barbara disse...

Oh minha querida! Folgo em saber que a experiência está a ser boa! E que maravilha "ouvir" falar assim português! Um beijinho enormeeeee