Cartas


21/04/2011

4, 6, 32

Estava sentada no terraço da minha casa em Penso, Melgaço (abraço para Melgaço aqui retribuído) quando, de repente, ele veio parar às minhas mãos. Era um urso de peluche vermelho como eu nunca tinha visto. Tinha luzes e um coração no peito que, quando pressionado, fazia o urso falar. Foi a nora do Sr. Orlando que o trouxe da Suiça e nós em Portugal não tínhamos daquilo. Ou pelo menos eu não tinha. Os meus brinquedos eram todos estáticos e sem grande piada. Mas aquele urso vermelho, que caiu nas minhas mãos era mais do que eu podia imaginar. Não sabia muito bem se lhe devia tocar ou não. Mas a nora do sr. Orlando e o meu avô insistiam. E eu agarrei-o. O meu avô disse para eu agradecer. E eu, confusa, sem perceber se o urso ia ser meu ou não, mas a torcer para que sim, agradeci. Brinquei com ele por poucos minutos. E ela depois levou-o outra vez, era da filha. Não era meu. Esta é a minha memória mais antiga. Não sei ao certo que idade tinha, mas sei que ainda não andava na escola, estaria com certeza à volta dos quatro anos. Foi a primeira vez que senti uma enorme frustração e achei uma merda que os meus pais não fossem emigrantes para eu poder ter as coisas fixes que os franciús tinham.

Naquele dia de Setembro acordei com o sobressalto da minha mãe. Entrou pela casa adentro, a gritar : “Lena! Lena! Acorda filha! É o teu primeiro dia de escola e a mãe esqueceu-se!”.
Eu, meia despassarada como sempre, lá me levantei sem saber muito bem o que é que se passava. “Escola? Mas… qual escola?”. “A mãe esqueceu-se e foi à praça, mas hoje é o teu primeiro dia de escola, a partir de hoje vais todos os dias. Podes levar o teu vestido preferido.”
E assim foi, vesti o meu vestido preferido com umas flores azuis, de um tecido fino que eu achava que me ficava tão bem. Do alto dos meus seis anos já dava uma enorme importância àquilo que vestia e com que ia à rua, mesmo que depois tenha cometido os piores erros de moda nos anos teen… mas enfim… os teens são aquela coisa e eu também passei por lá.
Chegada à escola, a minha mãe foi comigo falar com a D. Fátima, que tinha sido professora do meu irmão. E a D. Fátima disse: “não, a irmã do Paulo está com a D. Otília. Mas como eu tenho um aluno atrasado fico já com ela e depois mando o Hugo para a outra classe. É que gostava de ficar com as irmãs dos antigos alunos que já cá tenho umas três. Olhe, ali a Diana é a irmã do António Bruno.” E assim fui parar à turma da D. Fátima e não da D. Otília. Quis o destino que mesmo assim, eu da D. Fátima e a A. da D. Otília nos tenhamos conhecido poucos anos depois e mantenhamos a amizade há 22 anos. Esta é a minha segunda memória mais antiga.
Ontem fiz 32 anos. Trinta e dois anos de memórias, muitas boas, outras tantas más; umas que passaram; outras que ainda doem apesar dos anos. Tantas que guardo só para mim, que nunca partilhei com ninguém mas que tanto moldaram o meu percurso e a minha vida até ter chegado aqui, a Sydney.
Ontem, passei o dia na cidade entre um cappuccino com a Grace no QVB e uma imperial com o André e o seu amigo italiano. Este italiano, giro como todos os italianos, perguntava-me se quando eu tinha 23, a idade dele, pensava que aos 32 ia estar em Sydney a celebrar o meu aniversário no bar da UNSW. E eu sorri. “Não, se alguém me tivesse dito quando celebrei os 31 que o próximo ia ser assim, não acreditaria”. Mais tarde, a Alison (que se está a revelar uma miúda fofinha até mais não, quase que a quero adoptar) dizia: “Certainly you didn’t think you would be here, specially in a share room!”. E eu sorri. “Yeah… it’s true! But all things in life happen for a reason.”
“Would you change anything if you were again my age?”, perguntou.
“Well… no. If I did I would never know, what I know today; and I would never know the things that I don’t want in my life, like I know today.”
E teria outros 32 anos de memórias, diferentes. Umas boas, outras más. Outras que guardaria só para mim e que às vezes ainda me atormentariam, mas que fariam de mim outra pessoa.
Obrigada a todos por se terem lembrado. It means a lot to me ;) 

4 comentários:

Ana disse...

Agora podes escolher e comprar o teu ursinho!
Não me lembro desse Hugo, estou a ficar desmemoriada :S Qdo penso na D. Otilia, ocorre-me imediatamente as dentolas coloridas de baton rosa choque, eheh.
As retrospectivas são mto interessantes, fazem-nos reconhecer as nossas conquistas e sobretudo valoriza-las.
bjs

Vânia Pinheiro disse...

Tenho pena de não ter podido dar-te um beijão. Life sucks! Felicidades minha Lena.

Vânia

Li disse...

Olá amiga!!

A vida é mesmo feita de memórias e são elas, que muitas vezes nos ajudam a ultrapassar momentos mais delicados.

Fica bem.

Beijão

Paula disse...

Eu não me lembro de nenhum...
Aproveita as tuas todas!