Cartas


09/02/2011

O segundo dia

“Das tristezas não se pode contar nada ordenadamente porque desordenadamente acontecem elas”. Não sei se a frase é familiar a alguém, mas parece-me que também se aplica às alegrias. É que tenho tanta coisa para vos contar, que acho que vou ter de começar a anotar as ideias na agenda assim que surgem.
Ora então, desordenamente, cá vai. Este foi o meu segundo dia aqui e não posso dizer que me sinto mal. Também não me sinto bem. Estou numa cena neutra de descoberta. Acordei às 4h, voltei a dormir depois mais uma horinha e às sete tive de saltar da cama porque não aguentava mais. Os australianos, ou pelo menos quem fez estas casas, não acreditam em estores, vai daí as cortinas só por si não servem para impedir a entrada da luz assim que o sol nasce. E logo eu que estou habituada a dormir com tudo escuro. Enfim… esta experiência também serve para mudar de hábitos, dizem. Além do problema da luz, tive frio. Hoje lá fui comprar um cobertor, que não passa de uma manta polar com bainhas, que me custou 20 dólares! É que na semana passada diz que a temperatura atingiu os 44 graus, mas esta semana está entre 26 e 30, mas sem sol. Por tudo isto estou agora com uma broa de sono que nem vos passa!
Quando saí de casa de manhã fui ali à universidade pedir umas informações, saber umas coisas para o enrolment day que é na 6f. E não é que me perdi outra vez? O campus já é gigante, o percurso já não é assim tão curto e eu “resolvi” contornar o campus quase todo… fiquei logo toda partida. Depois ainda fui ao supermercado no shopping e resolvi carregar os sacos a pé para casa. E depois de almoço novamente até ao shopping para apanhar o comboio para o centro. Tive lá uma sessão de orientação da Information Planet sobre emprego e outras coisas importantes para saber viver aqui.
E assim que saí na estação de Town Hall, tal como ontem, tive a mesma sensação. Que cidade brutal! E barulhenta… não ouço o telefone, hoje a Paulina foi comigo não conseguia conversar com ela. Muita gente, para cima, para baixo, a atravessar a estrada, a circular nos passeios, a ir para o trabalho, a visitar a cidade, gordos, magros, altos, baixos, morenos, louros, asiáticos, indianos, europeus. Australianos à séria…pouquinhos, pouquinhos.
Depois de sairmos da apresentação passámos em Darling Harbour, Chinatown e também fomos ao Paddy’s Market. O Darling Harbour é giro. Mas preciso de lá ir sozinha. A Paulina, como já lá tinha ido antes, não se alongou. Aquilo é giro para sentar ali um bom bocado e apreciar. A Chinatown é… como se tivéssemos mudado de país. É que chineses há por aí com fartura, mas ruas como aquelas, com o cheiro forte da comida e aquelas decorações tão típicas, só ali. E não tem nada a ver com o resto de Sydney. Logo ali ao lado, há o Paddy’s Market, que nos pisos superiores é centro comercial e na cave funciona, pelas manhãs, como mercado (tipo o da Ribeira) com produtos frescos, mas também roupa, calçado, recuerdos etc.
Hei-de voltar de manhã. Não estou com pressa de ver tudo já! Tenho tempo… quero aproveitar estes tempo também para me adaptar, devagarinho. É que ando a tentar combater esta minha cena do “I want it all, and i want it now”. Lay back como os australianos, que também foi para isso que cá vim.
A minha house mate é fofinha. Mas como só tem 24 aninhos quer é festa e eu preciso desesperadamente de sopas e descanso. Hoje fomos juntas ao seminário, mas à noite ela costuma sair – hoje foi a uma festa para a qual me convidou mas eu não consigo sequer subir as escadas para o quarto sem me desconjuntar de dores nas pernas – e normalmente também não almoça em casa. Aliás, ela disse que só costuma comer uma vez por dia…e pelo que vi é só porcarias. Mas pronto, ela lá sabe. Falando em porcarias… está a dar no canal 7, uma notícia sobre a preocupante obesidade dos teens australianos. Eu consigo perceber isso… no supermercado entre um pacote de bolacha Maria e um pacote de bolachas de manteiga, o segundo é um dólar mais barato; o long life skim milk ( o mais magro que há, 99% fat free) é cerca de 50 cêntimos mais caro que o full cream; o café solúvel custa o dobro do chocolate instantâneo. Um kg de peras custa quase 4 dólares e uma alface cerca de 3. Um litro de leite do dia (em garrafa e no corredor dos frios) custa mais de 3 dólares, o long life (os de pacote) custa pouco mais de um dólar. Portanto… percebe-se que as pessoas só queiram comer merda. Mesmo na universidade, que tem tudo o que possam imaginar, desde dentista a ginásio, não há uma cantina… há pequenas “roullotes” espalhadas pelos edifícios das várias faculdades onde se vendem cachorros, hambúrgueres e afins.
Ah! Mas estava a falar da Chinatown, e agora lembrei-me que fomos a um supermercado chinês. Que pena que não posso tirar fotos. Aquele supermercado, muito mais barato que o Woolworth’s onde costumo ir, é uma delícia para a vista. Corredores e corredores cheios de frasquinhos, saquinhos, latinhas e coisas coloridas que nunca vi antes e que tenho dificuldade em perceber porque o que salta à vista são os caracteres chineses, e a descrição em inglês tem de ser muito bem procurada. Tenho de lá voltar também para explorar bem a coisa.
Ah! Uma coisa muito engraçada. No dia em que cheguei vim com umas miúdas chinesas no autocarro do airport pick up, e uma delas achou uma loucura eu vir para cá. Disse que com a minha idade as mulheres chinesas já têm filhos e nem pensar em continuar a estudar. É idade de estar casada e de procriar. Bom só um por casal, como é sabido. Mas o que ela achou mesmo realmente espantoso, foi eu ter escolhido não adoptar o nome do meu marido. A miúda ficou literalmente de boca aberta! Disse que no país dela essa escolha não existe e achou uma grande maluqueira eh eh eh eh. Esta experiência também tem estas coisas: as diferenças culturais. E é bom saber que mais do que o que vou ler nos livros, vou saber os costumes dos outros países e abrir horizontes. E agora vou abrir horizontes na cama, e aguardar que o meu cobertor novo me permita dormir melhor. Amanhã vai ser novamente um dia cheio com o orientation day para os international students.

PS: Adoro receber mails a sério...e amo ler os comentários que me deixam aqui. Obrigada :)

O meu armário (claro está que já me fui queixar da porta que não fecha)

O meu bairro

A minha rua

Onde eu entro no campus

A cozinha


Darling Harbour

Chinatown

O meu cobertor novo na minha cama de hospital
A minha casa. O meu quarto é o que dá para a varanda

7 comentários:

BlueAngel aka LN disse...

Pois eu estou a adorar as tuas descrições e o saber que estás bem e a absorver tudinho. Gosto da forma como nos descreves tudo e, devo dizer, que me sinto aí mesmo ao pé de ti. :-) Não estás mal instalada. :-) beijocas larocas com amizade e bom descanso

Rabbit disse...

:) Ainda bem, é mesmo isso que quero. Levar Sydney até Lisboa e trazer Lisboa até cá. Depois fotografo a alcatifa e os talheres e louça e conversamos! ah ah ah ah ah Beijos

Ana disse...

O armario é bué grande, ufa! :)
A casa até tem bom ar.
Os preços no chines são acessiveis? Podes comprar lá a loiça e os talheres...
bjs

Claudia disse...

Amei a descrição! Estou ansiosa pela próxima!
Tirando a cama que de facto não parece nada confortavel o resto da casa casa tem bom aspecto...
Achei piada ao comentário da Ana em relação ao tamanho do armário... ehehhe... não precisava de ser tão grande despois do que tiramos das malas!!! LOL!
E estou a gostar de ver como te estás a ambientar (bastante rápido a meu ver)!
Beijos grandes!

Lena disse...

As lojas dos chineses são mais baratas que as outras, mas mesmo assim são caras. Não pertendo comprar louça! nem pensar!!! Mas eventualmente terei de comprar uns lençois, um edredon, umas toalhas extra... uma toalha de rosto no sitio mais barato aqui do sitio custa quase 6 dolares. Vou esperar ganhar guita primeiro. O armário é só metade meu!! mas chega :)

AR disse...

Ora aqui estou eu acabadinha de ler todas as histórias. Pelas fotos parece tudo limpo e arrumado, o que eu acho positivo para começar. O armário é enorme para os 23 quilos de coisas que levaste quanto à cama... será que podes pintar de outra cor? Sempre iria atenuar um bocadinho o ar de internamento ahahahah

Estou deslumbrada com tudo o que já apreendeste em apenas dois dias e parece-me que, em proporção com o tamanho, todos os dias terás ruas para percorrer, percursos para te perderes e sítios para visitar pela primeira vez. E se ao segundo dia já tens uma co-residente "fofinha" que come porcarias e se surpreende como vens de um país avançado ... acho que está tudo a correr pelo melhor.

:D

Continua sempre aqui, hã?!
Senão vamos todos procurar-te.


Muitos muitos beijinhos

Anónimo disse...

Bem... Tens aí uma senhora cama... ela é rebolar para a esquerda, ela é rebolar para a direita e espetaste contra a parede.
A casa é no meio do mato? Tanto verde até parece que estás num parque, mas é bom, porque assim tapa a falta de cortinas... Parece a Holanda, muitos países alias, nós é que somos uns tímidos. Já sabes, podes andar à vontade dentro de casa que os vizinhos (os passaros e as lagartixas) agradecem.

M.