Cartas


29/04/2012

Lady in red (and other colours)

Não me surpreende o olhar derretido, quase aflito, que ele lhe lança de cada vez que ela entra ou sai da sala. Aliás, de cada vez que ela se levanta. As preferências sexuais de cada um não são importantes quando se trata de apreciar beleza. E ela é, de facto, linda. Partilha connosco o mesmo espaço mas trabalha para a empresa do lado. Convive connosco, sorri quando se cruza com um de nós no corredor, está sempre impecavelmente bem vestida. Não tem um corpo por aí além extraordinário. Para os meus padrões diria até que é ligeiramente cheiinha, mas reconheço que sabe tirar de si própria o melhor partido. Os longos cabelos castanhos lisos, a pele dourada e a postura firme tornam-na impossível de ignorar. E ele, ele é quem mais repara. Pensa que ninguém nota, mas eu aqui mesmo ao lado, consigo perceber como ele a segue com o olhar ao mesmo tempo que finge que passa os olhos de um monitor para o outro.
Já aqui o disse que é um homem pequeno e inseguro. É pena, até tem um palminho de cara, mas as calças de vinco, as meias brancas e a postura séria que adopta numa tentativa de colmatar a pequenez do seu corpo fazem dele um ser um pouco menos que patético. E ele sabe. É por isso que nunca lhe dirige a palavra, faz de conta que não a vê quando ela vem mostrar o vestido novo à colega da frente e tenta disfarçar o olhar que, aposto, a vê passar em slow motion, como nos filmes. Mas é o olhar que o trai. É alias o olhar que o trai em tudo, não só com ela. Tem a insegurança estampada no rosto. E eu, que no princípio o odiei, tenho agora uma certa pena. Deve ser tão difícil viver assim dentro de um personagem que se tenta manter. Assustado com o que os outros nos possam descobrir. Que existência tão triste...

25/04/2012

Será da PDI?

Eu já aqui disse isto uma vez, mas desde que me tornei emigrante ando numa lamecheira que não se aguenta. Ou é isso ou é a chegada dos 30 em força... Qualquer merda me faz imensamente feliz ou imensamente triste, ambas ao ponto de me levar às lágrimas. Hoje soube de uma boa notícia para duas pessoas de quem gosto muito, mesmo não sendo daquelas com quem falo todos os dias. E estou aqui não me aguento de contentamento. Porra! Como dizia o meu Mitchyzinho noutro dia "Love never dies" e é mesmo verdade!

16/04/2012

Logie Awards

Ora ontem foi dia de Logies, uma espécie de globos de ouro cá do sítio.

07/04/2012

293

Não percebi de imediato que eram um casal. Ele, bem vestido ao estilo corporate casual seguia atrás dela, ruiva, cabelo apanhado no alto e vestido preto, austero. Não lhe vi os olhos mas adivinho que fossem verdes. Só as mulheres de olhos verdes usam colares de jade. Pararam ao meu lado, de pé, e abraçaram-se. A clara diferenca de idades em nada se apaziguava com a barba que ele deixou crescer para esconder a cara de menino que ainda guarda dos tempos de adolescente. O 293 vai cheio. Vai sempre. É o expresso que só circula nas horas de ponta e que nos poupa 25 minutos de viagem. São poucos os que vêm aos pares. Quase todos nós somos caras ensonadas e corpos solitários. As senhoras trazem sacos na mão com os sapatos de salto alto que condizem com o fato, enquanto que nos pés exibem os New Balance do fim-de-semana. Eu carrego os meus saltos nos pés. Ainda sou demasiado europeia para aderir a esta moda do saco. Á minha frente esta uma jovem asiática que lê um livro. É a única. Já ninguém lê no autocarro. Eu, pessoalmente, nunca consegui. Fico enjoada com os altos e baixos da estrada. Sempre preferi ler no comboio, onde a viagem é mais suave. Guardo para o autocarro a música que me acompanha desde que fecho a porta de casa, ainda de manhã cedo, ate ao momento em que a fecho já ao ao cair da noite. Como eu, a maioria tem headphones. Mas a música deles vem dos smartphones onde ao mesmo tempo actualizam o status no Facebook. Já ninguém lê no autocarro. Já ninguém lê. Já nem sequer o jornal. Vêem-se os destaques na mais recente app, clica-se no e-mail, há quem esteja no youtube a ver o vídeo mais recente. Em dias de sol e céu azul, como o de hoje, a entrada na cidade é das mais belas visões que tive na vida. O brilho do mar para onde a Opera House se debruçaa, os barcos que por ali andam e a Harbour Bridge são de uma imponência que não consigo explicar com palavras. Queria emprestar-vos os meus olhos. Queria que vissem esta cidade com os olhos da amante apaixonada que sou, depois da esposa de 30 anos que fui de uma cidade que agora me parece pequena e tacanha. Olho para os rostos dos que fazem esta viagem todos os dias e indago-me se sabem a sorte que têm, o privilégio que é pertencer-lhe ou se já se sentem maridos e mulheres cansados da rotina. Dizem que só sabemos o que temos, quando perdemos. Entramos no coração da cidade. Metade do autocarro desperta e sai a procura do latte, cappucino ou Flat White. Eu sou rapariga de hot chocolat. O Tony da 7/Eleven da George St já deve estar a minha espera. Eu saio na proxima.